Considerando que Alis Ubbo, a "enseada amena" desde há 3200 anos e mais conhecida por Lisboa, ainda não tinha gente suficiente a maçar a blogosfera, decidi juntar-me à festa...

segunda-feira, 26 de março de 2007

Um Pessoa Queer...


Ainda sobre o programa da RTP quero referir um pormenorzinho que me ficou a fermentar na memória...

A certa altura do programa Clara Ferreira Alves tentou corrigir a fama exagerada de Fernando Pessoa como alcoólico. Em sua ajuda Manuela Nogueira, sobrinha do poeta, procurou também "limpar" a memória e bom nome de Pessoa não só como bêbado mas também dos rumores "falsos" da sua homossexualidade. Disse isto de forma notoriamente indignada ou zangada ou aborrecida ou da forma que mais gostarem... Mas disse-o sobretudo incomodada...

Sinceramente qual o problema dele poder ter sido um grande bêbado? Ou homossexual? Teria sido pior ou melhor poeta? Teria sido um "Grande Português" menos grandioso e menos digno?...

E como tem a certeza que não era homossexual? Não é Fernando Pessoa um poeta suficientemente complexo, mesmo extrordinariamente complexo, para se afirmar com tanta veemência factos sobre a sua vida sentimental ainda hoje pouco conhecida?

Sinceramente, parece que têm medo de alguma coisa...E agora admito o meu raro instinto conspirativo! É que eu gostava que alguém me explicasse o porquê da sua poesia de cariz homossexual ter demorado tanto tempo a ser publicada! Foi a censura ou foi a sua própria família? Que dizer da carta que escreveu quando rompeu com Ofélia, a sua única namorada conhecida:

“O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existência a
Ofelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais à
obediência a Mestres que não permitem nem perdoam.
Não é necessário que compreenda isto. Basta que me
conserve com carinho na sua lembrança, como eu,
inalteravelmente, a conservarei na minha.

Fernando”

29, Novembro 1920

Por último, qual a razão do poema que se segue ter sido publicado pela primeira vez no Público de 16 de Março deste ano? Bem sei que faz parte da sua poesia inglesa, mas a sua qualidade é assim tão inferior para apenas 91 anos após a sua elaboração ser publicado? Ou será que não é bem isso?...



I write this to thy memory, my
love, who art not dead,
And to the memory of that love
we never knew to have.

I was the elder, you were the
younger, and we were boys.
Had we known how to love, we
would have loved each other.
Had we guessed that love's
way, we would have found its
joys,
But we were boys and we
loved each other as brother to
brother.

Yet if I met thee today, perhaps
it would be the same.
Now I am shamed to be what
erst I knew not I was.
Perhaps what happened was
best - that pure white flame
Of our love caught not our
senses to flame more yet worse.

I remember thee often and my
soul sighs sadly in me.
Do you remember me
sometimes and feel aught like
this?

To-day I know it were best if
we had lovers been,
To-day I know, but can care no
longer.

Thou wert graceful and fair; I
was neither: I loved.

The taint is deeper in me of
this ancient disease
That only the Greeks made
beautiful, because themselves
beautiful were.


Fernando Pessoa, 1916?


2 comentários:

Ana Pena disse...

Olha não assisti a essa cena ... mas de facto é um bocado estranha essa demonstração de incómodo... Mas Mr.Straw o poema não o sinto com um poema de índole homossexual. Sinto-o como um poema de amor...mas não necessariamente um amor homossexual;)

*

Narkissus disse...

Mas olha que é... os investigadores pessoanos assim o consideram. Mas tenho de te mostrar a tradução porque
ele escreve num inglês um pouco arcaico. As referências ao amor grego (homossexual) nos dois últimos versos
não deixam margem de dúvida...