Considerando que Alis Ubbo, a "enseada amena" desde há 3200 anos e mais conhecida por Lisboa, ainda não tinha gente suficiente a maçar a blogosfera, decidi juntar-me à festa...

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Homofobia...

Há pouco tempo escrevi um texto sobre a homofobia para o jornal da Faculadade de Ciências de Lisboa, o Improp. Resolvi pô-lo aqui também.


Porque a Homofobia mata...

Na madrugada de 7 de Outubro de 1998 Matthew Shepard, de 21 anos, foi continuamente esmurrado e pontapeado por outros dois jovens, que posteriormente o ataram a uma cerca de madeira e o abandonaram. Acabaria por morrer uma semana depois num hospital com múltiplas lesões. O seu bárbaro assassínio foi motivado por um tipo especial de ódio. O ódio aos homossexuais. A homofobia.


A homofobia pode ser definida como o ódio, a aversão ou a intolerância para com os homossexuais ou a homossexualidade e manifesta-se de várias formas e com várias intensidades. Desde a pena de morte por decapitação na Arábia Saudita ou por lapidação na Nigéria, à intolerância e preconceito generalizados nas sociedades ocidentais. É sobre estas últimas que este texto se debruça e, sobre aquela em que todos vivemos, a sociedade portuguesa.

O bárbaro assassínio de Mathew não ocorreu numa vila do Médio Oriente ou na savana africana, mas sim na pacata cidade de Laramie no Wyoming, Estados Unidos, um dos países pioneiros nos direitos dos homossexuais. O crime acabaria por abalar a América e iniciar uma reflexão sobre a extensão do preconceito e discriminação contra os homossexuais. Surgiu mesmo uma iniciativa legislativa para enquadrar a homossexualidade como motivo de crime de ódio e proibir definitivamente a discriminação com base na orientação sexual. A maioria Republicana no Congresso chumbou a proposta.

Ideologias à parte, o caso mostra que não é por os homossexuais já não serem condenados à morte ou atirados para os calabouços, que passaram a ser respeitados ou mesmo tolerados pela sociedade. Uma sociedade não se torna mais tolerante e respeitadora da diferença por decreto-lei. Essa é uma mudança cultural que só pode ocorrer com a participação activa de toda a sociedade. E é triste a sociedade onde a falta de respeito pelo outro e pela sua diferença pode levar alguém a matar, por um motivo tão pueril como o facto dessa pessoa amar de uma forma diferente da maioria. Ainda mais triste é a indiferença que uma sociedade possa manifestar contra crimes baseados no ódio ou em preconceitos. Foi isto que sucedeu em Portugal com o caso Gisberta.

Gisberta, uma transexual brasileira nascida Gisberto Salce Júnior, morreu vítima de agressões e torturas continuadas, tendo o seu corpo sido encontrado em Setembro de 2005 submerso no fosso de um prédio inacabado, no Porto. O crime choca ainda mais quando sabemos a idade dos assassinos. Eram crianças. Treze crianças torturaram cruelmente durante três dias uma pessoa já debilitada pela SIDA, pela hepatite e pela fome. A tortura de Gisberta com um pau que lhe introduziram no ânus e os insultos frequentes que lhe dirigiam devido à sua transexualidade evidenciam a importância do preconceito na motivação do crime. Ainda assim, esta motivação acabaria por ser recusada pelo tribunal. O mesmo tribunal que recusou ter havido homicídio, classificando-o de “brincadeira que correu mal”. O padre Lino Maia, ligado à instituição católica que era responsável pelos menores e, deve acrescentar-se, pela sua (des)educação, teve mesmo a ousadia de afirmar que ela andaria a “molestar os jovens”. Isto mostra um facto: os preconceitos contra as minorias sexuais atingem todos os sectores da sociedade, da Igreja ao Estado, e até, por muito triste que seja, as crianças.

E que faz a classe política? Nada! Aliás, deve mesmo registar-se com vergonha o silêncio ensurdecedor da maioria dos políticos e da Igreja Católica, directamente envolvida devido aos menores estarem à guarda de uma das suas instituições. O mesmo silêncio político registou-se em 2005, quando se soube da existência de milícias populares anti-homossexuais em Viseu. Afirmando querer fazer aquilo a que chamaram “limpeza moral”, ameaçaram matar se necessário. Várias pessoas foram atacadas em Viseu perante a passividade e inépcia das autoridades políticas e policiais, que já conheciam a identidade de alguns dos agressores e que pouco ou nada fizeram.

Mas a homofobia não se revela apenas nestes casos mais pungentes e dramáticos. Há outras formas bem mais comuns, mas ainda assim sentidas como bastante insultuosas. Muito/as homossexuais já foram insultados com os vulgares e ordinários termos “paneleiro” ou “fufa” na rua e sem qualquer motivo aparente além da sua simples existência. É também sobejamente conhecido que muitos adolescentes homossexuais sofrem frequentemente bullying por parte dos colegas de escola. Mas a ofensa e insulto também pode ser pública e dita por personalidades de alguma relevância. Desde as “aberrações da Natureza” do Arcebispo de Braga, Eurico Dias Nogueira, às já famosas opiniões do economista João César das Neves, que na sua coluna do Diário de Notícias, vocifera insultos contra os homossexuais de uma forma mais intensa e frequente que qualquer outra personalidade portuguesa.

É verdade que a sociedade portuguesa tem-se tornado progressivamente mais tolerante para com a homossexualidade, mas estes casos recentes demonstram o longo caminho ainda a percorrer. O preconceito pode ser por vezes tão forte e enraizado que vence o amor que um pai ou uma mãe têm por um filho/a. Há jovens no nosso país expulsos de casa quando os pais tomam conhecimento da sua homossexualidade. Felizmente, os pais que os apoiam são esmagadoramente mais comuns.

Por que que a homofobia mata, está à responsabilidade de cada um de nós não apenas tolerar a diferença mas também respeitá-la. E dos nossos deveres enquanto cidadãos, deve fazer parte não apenas votar, mas também a procura de esclarecimento sobre o real fundamento dos nossos preconceitos, não só contra a orientação sexual, mas também contra etnias, nacionalidades ou religiões diferentes. Por que apesar das nossas diferenças vivemos todos na mesma sociedade e somos todos atingidos por problemas comuns.

P.S.: Queria dedicar o texto aos milhares de homossexuis perseguidos, torturados e mortos pelos nazis. Eram identificados pelo triângulo rosa nos campos deconcentração. Vítimas esquecidas do Holocausto, os que sobreviveram continuaram presos após o fim da 2ª Guerra Mundial, devido à homossexualidade continuar proibida nas novas repúblicas alemãs. Para eles, o nazismo terminou apenas quando a morte chegou. Em 2002 o parlamento da Alemanha pediu formalmente desculpas às vítimas homossexuais do Holocausto, em nome de todo o povo alemão.